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O uso do banheiro no meio ambiente de trabalho de acordo com a identidade de gênero da pessoa trabalhadora

No dia 31 de março de cada ano é comemorado globalmente, desde 2014, o “Dia Internacional da Visibilidade Trans”, data criada com o propósito de fortalecer o compromisso dos governantes e dos movimentos sociais com as pautas da comunidade trans.

No entanto, não há o que se comemorar. Isto porque, de acordo com o “Dossiê Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2020”[1], publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) em 29 de janeiro de 2021, acredita-se se manter atual a estimativa de que apenas 4% da população trans feminina se encontra em empregos formais, com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e com possibilidade de promoção e progressão de carreira.

Segundo o referido Dossiê, 9% das pessoas trans relataram ter sofrido em 2020 alguma violação quanto ao direito básico de usar o banheiro correspondente à sua identidade de gênero – isto é, quanto ao gênero (homem/mulher; masculino/feminino) que se identificam.

A dificuldade ao uso do banheiro em locais públicos não ocorre somente em shoppings centers, lojas ou outros ambientes públicos. Esta também acontece nos locais de trabalho.

Quanto ao tema, desde 2015 está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário n.º 845.779/SC[2], que discute se há ou não violação à dignidade da pessoa trans em caso de impedimento do uso do banheiro condizente com sua identidade de gênero. Já votaram a favor da tese recursal os Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, estando suspenso o julgamento desde novembro de 2015 em razão de pedido de vistas do Ministro Luiz Fux.

Todavia, o fato deste julgamento não ter sido concluído não impede que as pessoas trans utilizem no ambiente de trabalho (ou em qualquer outro local público) o banheiro correspondente à sua identidade de gênero.

Isto porque, conforme Acórdão[3] publicado em 06/10/2020, o STF decidiu, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n.º 26, que até que o Congresso Nacional elabore lei destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5.º da Constituição Federal (que impõem a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais), “as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989”.

Nesse sentido, o STF entendeu que, diante da omissão do Congresso Nacional em criar lei que puna os atos de discriminação contra a população LGBTQIA+, as condutas homotransfóbicas serão enquadradas na Lei n.º 7.718/1989, que regulamenta os atos tipificados como crime de racismo.

Por sua vez, o artigo 4.º, §1.º, inciso III, da Lei n.º 7.718/1989 prevê a pena de reclusão de dois a cinco anos para aquele que, por motivo de discriminação, “proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho”.

Desta forma, caso um empregador impeça um empregado trans de usar o banheiro de acordo com a sua identidade de gênero, estará promovendo tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, o que pode configurar um crime de transfobia, nos termos do artigo acima mencionado.

Destaca-se, ainda, que antes mesmo da decisão proferida pelo STF, a Justiça do Trabalho já se manifestava no sentido de punir os empregadores que obstavam o acesso de seus empregados aos banheiros correspondente ao gênero com o qual a pessoa trans se identifica.

Cita-se, por exemplo, precedente do ano de 2017 da 10.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 02.ª Região[4], em São Paulo, que reconheceu rescisão indireta do Contrato de Trabalho de trabalhadora trans obrigada a usar o banheiro destinado às pessoas com deficiência e ainda impôs indenização no valor de R$ 20 mil a título de danos morais à multinacional francesa que a empregava à época.

Situação muito semelhante ocorreu no Município do Rio de Janeiro, em condenação proferida pela 49.ª Vara do Trabalho[5], que determinou que uma empresa do ramo da terceirização de serviços pagasse R$ 20 mil como indenização por danos morais à uma empregada trans que foi proibida por seu supervisor de usar o banheiro feminino. Na decisão, o Juízo destacou que a conduta da empresa foi muito grave, oriunda de preconceito e discriminação inaceitável.

Há ainda, outro precedente de 2019, no qual a 03.ª Turma do TRT da 18.ª Região[6], em Goiás, condenou um frigorífico a indenização por danos morais correspondente a R$ 10 mil de trabalhadora trans que foi impedida de utilizar o banheiro feminino, sob o fundamento de que tal impedimento importa em violação da dignidade da pessoa humana.

De outra parte, por analogia, esta mesma lógica poderia ser aplicada para pessoas não-binárias, isto é, aquelas pessoas trans que não se identificam com nenhum dos gêneros, cabendo a elas decidirem quais banheiros se sentem mais confortáveis em usar, competindo aos empregadores assegurarem a segurança e acesso ao banheiro por essas pessoas.

Não há na jurisprudência discussão quanto à obrigatoriedade dos empregadores em implantar um banheiro específico para as pessoas não-binárias. No entanto, independente da construção ou não desse tipo de banheiro, é certo que o empregador deve sempre assegurar que o trabalhador tenha acesso ao banheiro que mais lhe convém de acordo com sua identidade de gênero.

O que se vê, portanto, é que todos os trabalhadores, independentemente de sua identidade de gênero, devem ser tratados com respeito pelos empregadores, sendo inadmissíveis condutas discriminatórias.

Quanto aos trabalhadores transgênero, a falta de uma legislação que lhes garanta os direitos básicos a um tratamento digno não é impeditivo para que utilizem os banheiros correspondentes à sua identidade de gênero no meio ambiente do trabalho.


[1] Dossiê disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf

[2] Andamento processual disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4657292

[3] Acórdão disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344606459&ext=.pdf

[4] Acórdão disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/transexual-obrigada-usar-banheiro.pdf

[5] Notícia disponível em: https://www.trt1.jus.br/ultimas-noticias/-/asset_publisher/IpQvDk7pXBme/content/-empresa-e-condenada-a-indenizar-transexual-proibida-de-usar-banheiro-feminino/21078

[6] Acórdão disponível em: https://sistemas.trt18.jus.br/visualizador/pages/conteudo.seam?p_tipo=2&p_grau=2&p_id=12702562&p_idpje=97283&p_num=97283&p_npag=x

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