O Racismo Recreativo e Outras Formas de Discriminação no Meio Ambiente de Trabalho

No Brasil, é muito comum que as mais perversas formas de ofensa à dignidade das pessoas sejam “camufladas” (ou atenuadas) pelo humor. Seja na televisão, em filmes e séries, ou em espetáculos de comédia, é muito comum que grupos minoritários sejam alvos de “piadas” ou objeto do riso de ofensores.

No meio ambiente de trabalho, não é diferente.

A comicidade típica da sociedade brasileira, muitas vezes, é internalizada no meio ambiente de trabalho. E acompanhados às piadas e brincadeiras, em alguns casos, está o preconceito, os estereótipos e a discriminação.

Doutor em Direito pela Universidade de Harvard e Especialista em Direito Antidiscriminatório, o jurista e Professor Adilson Moreira destaca em seu livro “Racismo Recreativo” como o ambiente de trabalho pode ser hostil com pessoas negras e como o Judiciário ameniza esses episódios.

Foi com base nos ensinamentos do jurista em referência que a Juíza Renata Bonfiglio, da 27.ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP, proferiu Sentença[1] condenando uma empresa de comunicação pela prática de racismo recreativo.

No caso concreto, uma mulher negra, empregada na agência de comunicação, sofreu o chamado “racismo recreativo” por parte de sua supervisora, que abriu um encontro virtual de equipe afirmando que “Estou com vontade de ver todo mundo e em breve irei marcar uma reunião para ver o rosto de todos. Quero ver se fulano cortou o cabelo e se a Rafa continua preta”. A frase em questão começou a circular nos grupos de conversas internos da empresa e, cerca de dois meses depois, a empregada ofendida foi demitida.

Após a dispensa, a empregada ajuizou Reclamação Trabalhista, pleiteando indenização pelo dano moral sofrido, o que foi deferido na Sentença em referência. Em sua Decisão, a Juíza destacou o ensinamento do Professor Adilson Moreira, que explica o conceito de microagressão como o “ato ou fala que expressa desprezo ou condescendência em relação a grupos minoritários; difere da forma aberta de discriminação, pois ofende, de forma consciente ou não, podendo ocorrer sem violar normas jurídicas.”.

Para a Juíza sentenciante, a fala da supervisora é exemplo de um padrão comportamental enraizado e naturalizado em nossa sociedade que deve ser revisto e combatido – razão pela qual condenou a empresa a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil em favor da empregada.

Conforme destacado na Sentença, as falas ofensivas que vêm camufladas de humor são muito comuns e naturais no comportamento brasileiro e têm como alvos principais os grupos minoritários como mulheres, negras e negros, indígenas, pessoas com deficiência, obesos e pessoas da comunidade LGBTI+. Sendo muito comum que os ofensores tentem uma forma perversa de entretenimento com base em características naturais destes indivíduos ou fundadas em estereótipos igualmente maldosos.

Decisão proferida pela 01.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23.ª Região (Mato Grosso)[2], por sua vez, condenou uma empresa de frigoríficos a indenizar empregada lésbica que era alvo de “piadas” relacionadas à sua orientação sexual por parte de seu superior imediato.

Relator do Acórdão, o Desembargador Osmair Couto, dispôs, em seu voto, que “Com a devida vênia, falar, em tom ofensivo, para a colega de trabalho e mulher homossexual que ela precisa de homem, bem como determinar que ela realizasse trabalho mais pesado porque ela queria ser homem, não nos parece ser o exercício de uma tal liberdade tolerada entre colegas no ambiente de trabalho”.

Como forma de combater este preconceito estruturante da sociedade brasileira no meio ambiente de trabalho, é importante que os empregadores promovam campanhas educativas para os seus empregados, de forma a demonstrar aos trabalhadores que não há graça em “piadas” que fazem alguém se sentir ofendido.

Caso a ofensa já tenha sido cometida, é importante que o Departamento de Recursos Humanos da empresa tome as medidas cabíveis contra o ofensor o quanto antes. A depender do grau da ofensa, a penalização poderá variar de advertências escritas, até mesmo à suspensão temporária do Contrato do Trabalho ou dispensa por justa causa com base no art. 482, alínea “j”, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).


[1] Notícia divulgada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 02.ª Região (SP) disponível em: https://ww2.trt2.jus.br/noticias//noticias/noticia/news/empresa-de-comunicacao-e-condenada-por-racismo-recreativo/?tx_news_pi1%5Bcontroller%5D=News&tx_news_pi1%5Baction%5D=detail&cHash=1abdadcc33ac4ad7b32fa80bba67d5c9, acesso em 26/05/2021.

[2] Notícia divulgada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23.ª Região (MT) disponível em: https://portal.trt23.jus.br/portal/noticias/empregada-que-sofria-discrimina%C3%A7%C3%A3o-por-ser-homossexual-recebe-danos-morais, acesso em 27/05/2021.

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